Comunicação do Grão-Mestre aos Irmãos por ocasião do Solstício de Inverno

Meus queridos Irmãos,

 

Celebramos hoje dia 21 de Dezembro o Solstício de Inverno, um fenómeno astronómico que acontece todos os anos, o dia mais curto do ano e, consequentemente, a noite mais longa.

O Solstício de Inverno caracteriza-se por ser uma época de menos luz, mais friorenta, e por isso mesmo intimista. Um período apropriado para a reflexão acerca dos ingentes problemas que todos nós – a Humanidade – enfrentamos no rescaldo ainda activo da tremenda pandemia, mas também preocupante por outros – e não menos graves – problemas.

A pandemia criou situações anómalas muito para além da área da saúde. Desestruturou toda a cadeia produtiva e de distribuição mundial de bens, e dizimou o sector dos serviços – da indústria leve à pesada, dos sectores alimentares (sejam agrícolas, pecuários, piscícolas ou transformados) aos energéticos, farmacêuticos, fitossanitários, à venda de máquinas e veículos e ainda muitíssimos outros, com relevo para o sector dos transportes, sejam rodoviários, marítimos ou aéreos, com sérias consequências globais.

Vivemos uma crise gigantesca, em que muito do que é básico para subsistir, ou falta ou não se sabe quando, e se voltaremos a ter.

Um pouco por todo o mundo, as empresas, as fábricas e os serviços fecham, por falta de energia ou do seu elevado custo, pela ausência de matérias-primas, de alimentos ou de produtos, provocando o caos, o desemprego e a desorientação das nações.

Esta retracção económica provoca populismos, nacionalismos e egoísmos de pessoas, organizações, instituições, Estados e governos, criando uma forte crispação nas relações e comportamentos.

Uma situação muito perigosa para a estabilidade e a paz num mundo, onde os mais ricos ou fortes tendem a impor as suas decisões, ou a criar fatos consumados em proveito próprio, e claro, em desrespeito ou prejuízos dos mais fracos e desfavorecidos.

Esta situação faz com que os governos enveredem por caminhos restritivos, que frequentemente levam a sentimentos de xenofobia, autodefesa e reforço dos arsenais bélicos, fruto de receios dos vizinhos ou de potências consideradas como adversárias.

Basta fazer leituras atentas sobre o rearmamento mundial acelerado em muitas zonas geográficas do planeta, com países a produzir ou a adquirir em massa, armas e equipamentos cada vez mais destrutivos, sejam misseis hipersónicos, submarinos nucleares, porta-aviões, barcos de guerra, aviões de todos os tipos, tanques e artilharia de longo alcance, canhões de laser, veículos não tripulados, drones e robôs para todos os cenários bélicos.

Já não parece haver respeito nem limites, nem organizações internacionais capazes de suster esta escalada. E sucedem-se os avisos, as picardias, as ameaças, as escaramuças e as quase confrontações, que a ocorrerem de facto poderão transportar-nos para a destruição planetária.

Isto que vos digo não é um exercício de retórica, porquanto os jornais, as rádios e as televisões referem-no todos os dias. O mundo parece ter enlouquecido, pois deixou de haver valores firmes e inalienáveis dos direitos humanos, da decência e urbanidade, do respeito entre as nações, do bom senso das instituições e do sentido de sobrevivência, pois todos sabem que ninguém está a salvo.

E porquê esta perda de valores tão acentuada e rápida? Por várias razões, mas a primeira será o crescente pendor materialista da Humanidade, sempre ávida de um consumismo rápido e vazio, que só pode ter um desfecho: o enfraquecimento da espiritualidade, na qual assentam todos os valores que catapultaram o ser humano para o conhecimento e a sabedoria, como nós, maçons, tão bem sabemos e para os quais os nossos ancestrais tanto trabalharam.

A religiosidade também se passou a consumir. Veja-se a multiplicação mercantilista de aparentes credos, assentes nas televisões e redes sociais, que nada possuem de espiritualidade. Pretendem antes ser supermercados dos dízimos e da colecta vulgar, perante populações carentes de soluções reais para os seus problemas diários – seja a pobreza, o desemprego, as doenças, a falta de habitação, a baixa literacia ou a ausência de esperança em tempos melhores.

Tudo é aproveitado por uma legião de agiotas das mentes, que ao abrigo das liberdades sugam o sangue de multidões enganadas, e ainda por cima ficam isentas de taxas e impostos, porque tidas como entidades religiosas legais e credíveis.

E se quase não se consegue discernir em jornais, rádios, televisões ou redes sociais o que é verdadeiro e o que é falso, como podem os cidadãos estar bem informados para melhor decidirem? E se a democracia obriga que os políticos cada vez mais tendam a governar para determinados sectores da sociedade, no âmbito da consideração de minorias, ao mesmo tempo que os Estados são pressionados a serem mais despesistas do que produtores de riqueza, como poderemos vislumbrar um futuro positivo para os nossos filhos e netos?

A acrescentar ao que aqui vos disse, temos ainda a complexa crise climática com a enorme e global poluição do ar, dos oceanos e dos recursos aquíferos, com tremendas consequências para todos os seres vivos do planeta, levando à extinção de muitos deles em apressada temporalidade.

Decorreu recentemente na Escócia a cimeira climática mundial, onde a globalidade dos líderes que aí discursou, até assinou documentos apropriados à melhoria do ambiente no planeta. Todavia, os mares estão repletos de plásticos e os peixes infectados com uma miríade de poluentes, os recursos aquíferos continentais diminuem e parte deles estão toldados de poluição, com a subsequente extinção de espécies vulneráveis, o ar das cidades e dos campos acumulam um sem número de agentes poluidores, com as decorrentes e inevitáveis doenças, os campos agrícolas ou estiolam por causa da seca ou das cheias inopinadas, e ainda pior, no âmbito da agricultura intensiva, sujeita a químicos e fertilizantes que não só poluem como matam a flora e fauna necessárias à polinização…

Ora, porque vos falo agora disto? Porque parece óbvio que nos encontramos no limiar do abismo e que é urgente arrepiar caminho. E nós, maçons, sempre que o perigo rondou a Humanidade, levantamo-nos para alertar as pessoas e chamar a atenção de todos aqueles que podem e devem fazer a diferença.

Parafraseando Frei Fernando Ventura, numa declaração recente à nossa revista Grande Loja: “Podemos não poder mudar o mundo, mas podemos mudar o mundo de alguém. Podemos não poder tirar a fome do mundo, mas podemos tirar a fome de alguém”.

Bem sabemos dos muitos Irmãos que agem por sua conta, ou em diferentes Instituições e Associações, ajudando a menorizar o sofrimento de quem precisa de amparo ou auxílio. Para esses, o meu agradecimento para que nunca esmoreçam. E a todos, para que façam o que podem e devem fazer, tal como juramos perante o GADU no dia da nossa iniciação.

Porque se esta data do Solstício de Inverno é o da noite mais prolongada, também é a partir de agora que a luz retoma paulatinamente o seu vigor, até ao momento em que superará de longe as trevas, assim como são os ciclos assentes nesta permanente dualidade e assim como é o trabalho de cada um de nós, portadores à nossa medida da candeia que ilumina não só o nosso caminho, mas desejavelmente também o dos outros que nos acompanham e, mais ou menos próximos, partilham as nossas vidas.

Por isso mesmo como maçons, não podemos estar desatentos e ausentes deste grande debate mundial sobre as alterações climáticas, mas também face às desavenças políticas, nacionais ou mundiais, que levam ao confronto e provocam o desequilíbrio.

E se no mandato anterior elegi a palavra AGIR como desiderato para o nosso empenho, renovo agora esse mesmo lema. Pois é urgente continuar a AGIR, intervindo onde e como for necessário, com a nossa acção, a nossa palavra, o nosso gesto, a nossa crítica – ou aplauso, e se tiver de ser, até com a nossa indignação. Os maçons não podem permitir que por inacção, o abismo se abeire ainda mais.

É claro que esta mensagem parece dramática. E na realidade é. Mas na maçonaria temos sempre a luz do GADU para nos guiar, e é com esse conforto que podemos sempre acreditar e afirmar que o bom combate será sempre recompensado, e assim triunfaremos sobre as trevas aqui citadas.

Em tempo de crise é que podemos e devemos fazer a diferença, tendo sempre por referência a defesa do Bem Comum, da Equidade, da Dignidade de todo o ser humano e da Paz. Por isso apelo-vos à exemplaridade na diferença.

Devemos, pois, reforçar ainda mais a nossa intervenção ao longo do desafiante ano de 2022, na medida em que, sempre de acordo com as normas do Governo e da protecção de cada um de nós e dos outros, formos regressando a uma prática maçónica e ritualística por todos desejada, e assente tanto na proximidade física como espiritual.

 

Meus Queridos Irmãos, Um bom Natal, Um Santo Natal!
Saúde, Paz e Amor Fraterno.

 

 

Recebam um Abraço Fraterno

 

 

Armindo Azevedo – Grão-Mestre
Lisboa, 21 de Dezembro de 6021

Comments are closed.